segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Rio de lama, o nosso Rio Doce. Parte III

Parte III
As imagens dizem mais do que palavras.

Rio enlamaçado, após as quedas da barragem da Samarco/Cia Vale...
Produto desenvolvido no RS acelera limpeza da água do Rio Doce Fred Loureiro/Secom ES


Vídeo encontrado na net, monstrando o contraste do nosso Rio Doce, o antes e o depois da tragédia da Samarco/Cia Vale.




Produto usado para limpar um pouco o Rio Doce, tornando-o consumível à população.

Ficamos uma semana sem água potável, mas hoje Graças a Deus, temos água novamente em nossas torneiras.

Restou um sentimento profundo de tristeza e saudade do  nosso Rio Doce.




sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Rio de lama, o nosso Rio Doce. Parte II

Parte II.
Acordei no outro dia tranquila, mas rápido meu pensamento se voltou ao problema da água. Corri lá na torneira, abri e nada, nem uma gota. Há meu  Deus e agora!.
Liguei a TV no Balanço Geral da TV Leste (lembrando que a cobertura foi excelente e de muita responsabilidade, ajudou  muito e informou bem a população, amenizando um pouco mais a situação. Toda produção bem como, o apresentador Ricardo Assunção estão de parabéns). E só falavam sobre lama, todo noticiário era sobre a queda das barragens.
Era assustador.

Nas ruas, pessoas assustadas, comprando água mineral, passando com caixas d'água, carotes em cima de caminhonetes. O movimento era grande.
Já em minha casa, parecia que a única preocupada era eu.
Falava com meu marido: O problema é real, precisamos tomar providências. Ele insistia em dizer que nada aconteceria.
Tinha dois vasilhames cheios de água mineral estocada, mais um, em uso.
Liguei para comprar mais, o rapaz disse que havia acabado, liguei para outro e mais outro e nada.  A resposta era que chegaria segunda-feira, estávamos na sexta-feira.

Os caminhões com água potável da Samarco (mineradora responsável pelo desastre ambiental, junto a Cia Vale), eram visto em todos os lugares, menos em nossas casas. A água não aparecia. Víamos entregas em algumas casas, alguns restaurantes, mas para população em geral, nada. A cada dez minutos, um recipiente era esvaziado, em minha casa. Na quarta-feira seguinte, já não tinha água no reservatório de mil litros. -Mãe, como vou tomar banho? pergunta o filho mais novo. -Pega uma garrava pet, serão só dois litros de água por banho, somente uma vez no dia. Respondo.
Se não fosse trágico, seria cômico. Cada um, à noitinha pegava sua garrafa pet e ia para o banheiro , banhar-se. No fundo não conseguia conter o riso da situação, porque realmente era engraçado. Eu não conseguia acreditar no que estava vivenciando.

Corremos ao Supermercado, procurando copos, pratos e talheres descartáveis, não encontramos. Meu marido saiu para procurar. Enchemos um carrinho de supermercado de água mineral engarrafadas, a contra-gosto do meu marido, e trouxemos.
As poucas vasilhas que sobravam para serem lavadas, eram como em tempos remotos, lavava em bacia e enxaguava em um balde. Pensei em sair da cidade, ir para casa de minha irmã em Itaipé, cidadezinha próxima à Teófilo-Otoni. Eu estava estressada, cansada e triste.

Enquanto isso, passava a maravilhosa novela bíblica "Os dez mandamentos" na Record. mostrava o povo Hebreu no deserto, sofrendo, clamavam a Deus e eram respondidos. Aquela fé dos hebreus, despertou a fé nos valadarenses. Eles se reuniram na praça dos pioneiros e de joelhos clamavam a Deus. Alguns pastores foram até ao Rio Doce, usaram a fé e ali clamaram, também à Deus... Pediram para curar o nosso Rio Doce -  Jesus é fonte da vida.

Eu sabia que algo iria acontecer.

Era sexta-feira, um policial era entrevistado na TV Leste. Até esse momento não havia nenhuma novidade boa. A conversa é que não sabiam quando a cidade iria voltar à normalidade. No finalzinho da reportagem o policial disse que havia uma pesquisa sobre um produto que poderia limpar o rio em minutos.
A esperança começava a voltar...

A noite, choveu muito, aparamos água da chuva para usar nos vasos sanitários.
Agradecemos a Deus pela resposta. Nunca uma chuva foi tão bem recebida como aquela. Nas ruas as pessoas gritavam de alegria, "Obrigado meu Deus"!...

No sábado, meu marido já preocupado com a situação, saiu cedo para procurar água em poços artesianos. Chegou mais ou menos quatro horas da tarde em um carro repleto de água...
À noite, cansados, mas com a casa abastecida de água. Dormimos...








Oração dos Hebreus nos deserto.
Image result for oração dos valadaresnses na praça dos pioneirosOração dos Valadarenses na Praça dos Pioneiros.



quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Rio de lama... o nosso Rio Doce. Parte I

Parte I
Pensei que não viveria para ver isto. Mas vivi e vi.
Depois que passou o tumulto da falta d'água, da correria, do banho com garrafa pet de água armazenada quando da espera da lama...

Chegava lenta, traiçoeira. Como querendo matar aos poucos. Cada quilômetro que andava, rolava. Bem, não sei como dizer. Não sei se água, anda, corre ou desliza. Só sei que vinha. De longe já causava terror.

O ar ficou mais seco. O calor aumentou.
E alegria deu lugar à insegurança, ao medo. Não sei como me expressar diante daquele monstro prestes a estourar aqui, justo aqui em Governador Valadares... Cidade calorenta, mais ou menos trezentos mil habitantes. Já havia feito vítimas em outros lugares, onde passava o monstro de lama.

O que seria dessa população! Das crianças, dos velhinhos, dos moradores de rua, dos animais!... O que seria de nós humanos, residentes nesse lugar quente, sem uma gota de água...

O coração apertava, sem querer acreditar no que estava prestes a acontecer. já ouvira falar da falta d'água no sertão nordestino, já ouvira falar de tremores de terra no norte de minas, em São Paulo, já ouvira falar de tempestades tropicais no sul do país. Apesar de condoer-nos com tudo que ouvíamos falar, não tínhamos como mensurar os efeitos de longe. Mas não, agora aconteceria aqui, bem em baixo de  nosso nariz....

-Cê num tá sabendo não?!... pergunta um amigo. -Vamo ficar uns vinte dias sem água, na verdade num tem previsão quando teremos água do Sae (SAAE). Falava, sabendo do problema, mas com ar sadomasoquista. Querendo assustar mais ainda.

É assim que nós mineiros falamos, quando estamos com amigos e parentes, cheio de sotaque, comendo um pedaço das palavras. Falamos assim, não por não saber o português. Mas é para terminar mais rápido as falas mesmo. É nosso costume de mineiros bons de prosas. Que quer terminar logo, para falar mais um pouco.  Rsrs. Falamos assim só entre amigos.

-Cê tá brincando! respondo eu, aparentemente preocupada e sem querer acreditar.
-Que?!... É oficial. A prefeitura já tá informando. Na minha casa já amanheceu sem água hoje. Cê tem água na sua casa? Pergunta-me.

- Claro! tenho. Vou correndo para armazenar, até acabar.

Aí começou a correria. Não tenho vasilhas grandes o suficiente, mas tenho que aproveitar a água.
Encho uma garrafa pet de dois litros, mais uma e mais uma, e mais uma dúzia e mais três dezenas e meia. Sorrio, bom já tem uns sessenta litros aqui. Meu Deus! O que é sessenta litros de água para esse tanto de gente, esse tanto de gente, são quatro pessoas, o marido, dois filhos e eu...

Latas, cadê as latas de tinta?... Lavei duas às pressas, enchi. Há! Graças a Deus tenho mais sessenta litros nestas latas. E o pensamento a trezentos km/h. Mas o que é mais sessenta litros de água para minha família?... Fui até ao armário, peguei todas as panelas e latas maiores, enchi-as também.

A cada recipiente cheio daquele líquido, que naquele momento tornava-se ainda mais precioso do que normalmente é, sentia-me um pouco mais confortável. A sensação durava pouco, pois lembrava-me do que meu amigo falara: "Não tem previsão de quando teremos água". Enchi a máquina de lavar roupas, respirei aliviada, lembrando que a caixa de mil litros, também estava cheia. E ainda havia água escorrendo forte na torneira como dando adeus, lembrando-nos que seria os últimos minutos que permaneceria viva, límpida. Mas morreria forte e lutando.

Pensei, vou esperar meu marido chegar, para ver se ele compra ainda hoje mais uma caixa d'água., para aproveitar até a última gota. Para minha decepção, ele chegou tranquilo que só. -Deixa de sê boba menina, num vai acabar a água não. tá ficando doida? Falava ele em mineirez (fala com o sotaque dos mineiros). Respondo também em mineirez: -Cê num viu o jornal não, trem?  Vai fazer nada não, né?  Na hora que começar a faltar, cê se vira.

E continuo: -Não vou preocupar não. Fiz a minha parte, olhando orgulhosa, para cada litro de água armazenado, cada recipiente cheio em cima da mesa.
Olhava também, para aquela torneira escorrendo água a vontade, pensava, o que vamos fazer daqui para frente....