quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Rio de lama... o nosso Rio Doce. Parte I

Parte I
Pensei que não viveria para ver isto. Mas vivi e vi.
Depois que passou o tumulto da falta d'água, da correria, do banho com garrafa pet de água armazenada quando da espera da lama...

Chegava lenta, traiçoeira. Como querendo matar aos poucos. Cada quilômetro que andava, rolava. Bem, não sei como dizer. Não sei se água, anda, corre ou desliza. Só sei que vinha. De longe já causava terror.

O ar ficou mais seco. O calor aumentou.
E alegria deu lugar à insegurança, ao medo. Não sei como me expressar diante daquele monstro prestes a estourar aqui, justo aqui em Governador Valadares... Cidade calorenta, mais ou menos trezentos mil habitantes. Já havia feito vítimas em outros lugares, onde passava o monstro de lama.

O que seria dessa população! Das crianças, dos velhinhos, dos moradores de rua, dos animais!... O que seria de nós humanos, residentes nesse lugar quente, sem uma gota de água...

O coração apertava, sem querer acreditar no que estava prestes a acontecer. já ouvira falar da falta d'água no sertão nordestino, já ouvira falar de tremores de terra no norte de minas, em São Paulo, já ouvira falar de tempestades tropicais no sul do país. Apesar de condoer-nos com tudo que ouvíamos falar, não tínhamos como mensurar os efeitos de longe. Mas não, agora aconteceria aqui, bem em baixo de  nosso nariz....

-Cê num tá sabendo não?!... pergunta um amigo. -Vamo ficar uns vinte dias sem água, na verdade num tem previsão quando teremos água do Sae (SAAE). Falava, sabendo do problema, mas com ar sadomasoquista. Querendo assustar mais ainda.

É assim que nós mineiros falamos, quando estamos com amigos e parentes, cheio de sotaque, comendo um pedaço das palavras. Falamos assim, não por não saber o português. Mas é para terminar mais rápido as falas mesmo. É nosso costume de mineiros bons de prosas. Que quer terminar logo, para falar mais um pouco.  Rsrs. Falamos assim só entre amigos.

-Cê tá brincando! respondo eu, aparentemente preocupada e sem querer acreditar.
-Que?!... É oficial. A prefeitura já tá informando. Na minha casa já amanheceu sem água hoje. Cê tem água na sua casa? Pergunta-me.

- Claro! tenho. Vou correndo para armazenar, até acabar.

Aí começou a correria. Não tenho vasilhas grandes o suficiente, mas tenho que aproveitar a água.
Encho uma garrafa pet de dois litros, mais uma e mais uma, e mais uma dúzia e mais três dezenas e meia. Sorrio, bom já tem uns sessenta litros aqui. Meu Deus! O que é sessenta litros de água para esse tanto de gente, esse tanto de gente, são quatro pessoas, o marido, dois filhos e eu...

Latas, cadê as latas de tinta?... Lavei duas às pressas, enchi. Há! Graças a Deus tenho mais sessenta litros nestas latas. E o pensamento a trezentos km/h. Mas o que é mais sessenta litros de água para minha família?... Fui até ao armário, peguei todas as panelas e latas maiores, enchi-as também.

A cada recipiente cheio daquele líquido, que naquele momento tornava-se ainda mais precioso do que normalmente é, sentia-me um pouco mais confortável. A sensação durava pouco, pois lembrava-me do que meu amigo falara: "Não tem previsão de quando teremos água". Enchi a máquina de lavar roupas, respirei aliviada, lembrando que a caixa de mil litros, também estava cheia. E ainda havia água escorrendo forte na torneira como dando adeus, lembrando-nos que seria os últimos minutos que permaneceria viva, límpida. Mas morreria forte e lutando.

Pensei, vou esperar meu marido chegar, para ver se ele compra ainda hoje mais uma caixa d'água., para aproveitar até a última gota. Para minha decepção, ele chegou tranquilo que só. -Deixa de sê boba menina, num vai acabar a água não. tá ficando doida? Falava ele em mineirez (fala com o sotaque dos mineiros). Respondo também em mineirez: -Cê num viu o jornal não, trem?  Vai fazer nada não, né?  Na hora que começar a faltar, cê se vira.

E continuo: -Não vou preocupar não. Fiz a minha parte, olhando orgulhosa, para cada litro de água armazenado, cada recipiente cheio em cima da mesa.
Olhava também, para aquela torneira escorrendo água a vontade, pensava, o que vamos fazer daqui para frente....











Nenhum comentário:

Postar um comentário